Uma história sobre as consequências de ter uma mãe desligada                

 

Eu sou gestor, terminei o curso há 15 anos e felizmente sempre fui tendo trabalho, mesmo em tempos difíceis.

Sempre encarei como uma qualidade a minha facilidade em mudar de uma empresa para outra, sem me deixar prender, sem que os objectivos de cada empresa se sobrepusessem aos meus objectivos pessoais.

Sempre me encarei como flexível, versátil, ágil, capaz… até um dia em que, numa conversa com um amigo meu, apercebi-me de algo. Uma coisa simples, mas que ficou.

Eu explico: o meu amigo trabalha em informática e também gosta de projectos, dirigir equipas, pegar em ideias e levá-las ao seu máximo potencial. Ele estava a falar-me de uma empresa que criou baseada em usar materiais biodegradáveis elásticos e usá-los nos desportos aquáticos. No início ninguém dava nada pela ideia, mas depois acabou por conseguir parcerias com marcas de fatos de surf, materiais de vela, roupa desportiva e mais umas coisas. Tem uma equipa de 15 pessoas a trabalhar com ele e ganha mais num mês do que eu num ano. Tudo isto com base num site inovador que ele imaginou. Demorou 6 anos a criar e agora que sente que chegou ao seu potencial, está a pensar na próxima coisa.

Evidentemente fiquei feliz por ele, pela sua história incrível e a inveja que senti foi saudável, mas procurei na minha experiência um exemplo desse tipo de satisfação e não encontrei. Percebi que raramente levava as coisas até ao fim, percebi que fora do contexto laboral, com as tarefas claramente estipuladas, a minha vida pouco mudava, ficava sempre mediana. Fazia algum desporto, mas nada assim de sério. Tinha namoradas, mas raramente durava mais que um ano e meio, lia livros e via séries, filmes, mas não me identificava muito com nenhum género em particular.

Isto incomodou-me. Tentei inverter a tendência nos meses seguintes, tentei integrar projectos de longa duração na empresa, mas apesar de me terem dado a oportunidade e do trabalho estar a seguir o caminho previsto, eu não consegui ligar-me emocionalmente ao trabalho, desinteressei-me rapidamente. Tentei fazer coisas mais interessantes com a minha namorada, mas percebi que ela não estava muito interessada em levar-me mais a sério e afastou-se. Tentei dedicar-me mais ao desporto, mas isso deixou-me ansioso e cansado.

7 meses depois da conversa com o meu amigo, voltámos a falar, contei-lhe tudo. Ele disse que embora sentisse empatia pelo meu mal-estar, ficou feliz por saber que eu estava finalmente disposto a lidar com isto e deu-me o contacto de um psicólogo. Estranhei, mas aceitei e marquei uma consulta e depois outra e continuei a ir. Tanta coisa passou a fazer sentido…

Eu percebi que começar coisas não me custava nada, mas que terminar custava. Percebi que quando alguma coisa ia culminar, fosse o fim de um projecto, fosse uma relação ficar mais séria, fosse envolver-me mais a sério em alguma coisa que fosse, eu começava automaticamente a evitar, adiar, procrastinar, ficar doente se fosse preciso…

Percebi que, de uma forma perversa, eu evitava chegar a essa etapa para não me desiludir. Tinha uma aversão profunda a completar algo, como se isso me causasse vergonha. Isto não fazia sentido… até que fez.

Inúmeras experiências contribuíram para isto, mas o lugar de destaque vai para a relação com a minha mãe. Há pessoas que têm muito para fazer, mas ainda assim têm sempre tempo, depois há as pessoas que parecem sempre ocupadas mesmo quando não estão. Era o caso da minha mãe.

Ela estava sempre ocupada, sempre a “lidar” com alguma coisa. Perdi a conta à quantidade de vezes que tentei falar com ela, mas não havia possibilidade. Lembro-me perfeitamente de ter tido 100% num teste de matemática no sexto ano, quando cheguei a casa tentei ir mostrar-lhe, mas ela chateou-se comigo porque estava ao telefone com a minha tia (o meu tio estava a ter um caso). 1 hora mais tarde quando me perguntou o que queria, já não lhe mostrei. Isto só por si seria apenas um episódio, mas vezes mil tornou-se um padrão. Aprendi a adiar o momento em que tentava falar com ela, aprendi a guardar as coisas para mim, porque no momento de as partilhar, elas perdiam valor porque não havia espaço para elas. Isto nunca me chateou, era apenas algo que era assim, até ser adulto e ter tentado fazer de forma diferente.

Com a ajuda da terapia foi algo que consegui ir mudando, devagar e com dificuldade, mas consegui.

Hoje em dia sou daquelas pessoas que são as últimas a sair da sala de cinema, vou a workshops de culinária e pintura e já tirei um par de cursos breves só porque eram interessantes. Estranhamente fiz um amigo num desses cursos, estamos a iniciar um projecto juntos… não sei se terá sucesso e não me importa assim tanto, o que sei é que já não tenho medo de participar e levar até ao fim. Se der deu, se não der não deu, mas caramba sabe bem fazer parte, ser visto e participar!

 

Nenhum Conto Clínico é uma reprodução total ou aproximada de uma história real. Esta personagem é fictícia, foi vagamente construída a partir de situações clínicas, mas não representa de forma alguma uma pessoa real nem reproduz uma história real. Em contexto clínico todos os casos são tratados com confidencialidade total.

 

Michael Dickinson

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